Pensei em começar esse texto citando todos os momentos nos quais Bolsonaro e os generais em seu entorno ameaçaram os poderes constituídos da República. Não falo dos inúmeros recados golpistas que chegam às páginas dos jornais por meio de jornalistas que acham ter general como fonte é desculpa para o mais rasteiro jornalismo declaratório.
Me refiro aqui às ameaças claras e diretas feitas em público por oficiais da ativa e da reserva que, em diferentes momentos dizem representar as Forças Armadas. Villas Boas ameaçou o STF durante o julgamento da prisão em segunda instância. Mourão deu não uma, mas DUAS palestras golpistas quando era GENERAL DA ATIVA. Braga Netto foi ao Congresso ameaçar um golpe caso a CPI investigasse o probo General Pazuello e os demais espertalhões que se esbaldavam no mel no Ministério da Saúde. Houve inúmeros ofícios e cartinhas ameaçado golpe nos poderes constituídos caso eles tentassem fazer cumprir a lei. E nem estou citando as pirraças patéticas do Clube Militar e do sem-número de generais de pijama que vivem pendurados em pensões gordas enquanto fazem o que bem entendem nas redes sociais.
O clima do militarismo golpista voltou à tona pelo menos desde 2014, quando cagados de medo pela Comissão Nacional da Verdade, os oficiais da ativa e da reserva começaram a se insurgir contra o Governo Federal. Assinaram manifestos, assinaram cartas. A CNV não tinha qualquer pretensão em punir os crimes da Ditadura, era uma comissão de caráter informativo e documental. Mesmo assim não faltou chororô porta adentro nos quartéis e nem quem, de dentro da imprensa, defendesse que a CNV não era uma comissão justa porque não investigava (adivinhem só) os DOIS LADOS. Dois lados. De um lado a Ditadura mais longeva do Brasil e seus inúmeros crimes, do outro quem a combateu e já havia pagado um alto preço por isso.
Era o auge do fenômeno do Ditabrandismo: uma tentativa de suavizar o legado violento da Ditadura de 1964. Essa tentativa era captaneada pelo que havia de mais abjeto na direita brasileira e contava com farto apoio da imprensa - vide o editorial vergonhoso da Folha que falava em “ditabranda” no caso brasileiro sob a justificativa de atacar o Chavismo. A senha estava dada e ela dizia que a “Ditadura de Verdade” era aquela da Venezuela, supostamente o modelo que o Partido dos Trabalhadores queria para o Brasil. O estrago que os generais fizeram no Brasil entre 1964 e 1985 foi só uma brincadeirinha.
Corta para o governo Bolsonaro, sua máquina inchada com uma cambada de ASPONES fardados ganhando acima do teto. Não satisfeitos com o gordo orçamento da Defesa, os milicos foram parasitar outras pastas e mentir sobre o que não conhecem: beberam dinheiro de canudinho numa GLO fajuta pra combater o desmatamento na Amazônia, supervisionaram o morticínio na pandemia recomendando remédios que não funcionam e, para coroar o amontoado de merda, passaram a atacar o processo eleitoral com as mentiras mais descaradas do mundo. Se a gente quiser observar de perto a atuação dos mais de 8 mil fardados comissionados no governo vamos achar um bocado de mamatas.
Depois de ajudar a desmatar, matar e arrebentar com a instituição do voto, os milicos ainda se uniram aos milhares de golpistas que, após as eleições, bloquearam estradas e causaram prejuízos e mortes. Inflamaram os delírios conspiratórios e golpistas do gado em declarações, indiretas e cartinhas. Tão logo conseguiram o que queriam, nomear um parça para o Ministério da Defesa abandonaram o cavalo no qual montaram durante quatro anos e se fingiram de desentendidos.
Durante a sua posse Lula falou a seguinte frase “Quem errou, responderá pelos seus erros, respeitado o direito de defesa, dentro do devido processo legal”. Essa frase, essa simples frase, foi interpretada por setores do colunismo político como o indicativo de uma “caça às bruxas” - algo que foi curiosamente repetido mais tarde pelo maior dos covardes em entrevista ao mesmo articulista. A frase de Lula é, muito claramente, uma rejeição a qualquer tribunal de exceção e uma afirmação dos princípios do Estado de Direito - parafraseando aqui o Conrado Hubner. Mas para quem ventou a anistia preventiva à quadrilha verde-oliva, qualquer coisa que não a capitulação total é vista como uma afronta: o Brasil a deve continuar um eterno refém do parasitismo fardado e de suas idiossincrasias.
Ao que tudo indica entraremos numa nova era do ditabrandismo. Quanto mais caos os militares causarem ao país, quanto mais contribuirem para o armamento do crime organizado, a expansão do narcotráfico, o domínio territorial do garimpo, para a gênese do terrorismo doméstico mais vamos ser convidados a adulá-los. Caso contrário a espada que eles mantém sobre o nosso pescoço uma hora vai descer.
É fácil enxergar a continuidade entre as ameaças de Villas Boas e cia, as teorias da conspiração contra as urnas, o aparelhamento do Estado e a fracassada tentativa de massacre gestada na porta do quartel em Brasília. Não acredite em quem tentar te convencer do contrário.
Aproximações Sucessivas
Cara, por que todos os governos pós redemocratização prestam tanta reverência às Forças Armadas?
Lá no começo, Sarney, tava todo mundo se medindo, reconquistando os espaços da República e tal. E Sarney deve muito bem ter participado das negociações da anistia. Mas depois disso?
Hoje, eu comparo por exemplo com o Judiciário. Não dá pra mexer com os caras, mandam em tudo, super capilarizados e com espírito de corpo, com um STF na cara do Planalto ameaçando, mandando prender e mandando soltar, literalmente. Não dá pra.mexer com salário desses caras, com previdência, com nada. Reforma do Judiciário? Nem pensar. Mas eles bancam, eles podem ameaçar pra valer.
Mas as FA? Bando de velho ruim de serviço. São burros demais, são toscos demais. Agora que governaram deu pra ver de perto como não assustam ninguém!! Por que negociar com esses caras? Eles não tem o mesmo poder do Judiciário, apenas como exemplo.
Me recuso a acreditar que seja pela força da espada apenas. Depois dos tanques fumando Diesel na frente do Planalto, aquele papelão, não dá pra confiar nem que eles tenham recurso material pra um golpe.
Então por que Múcio? Por que a reverência? Por que não meter a Dilma na defesa, exonerar os velhos, meter os jovens no comando, mandar prender os golpistas e avisar em cadeia nacional que eles não passam da Graber do Brasil?
Ou estou sendo muito inocente?